Os brasileiros estão mais interessados em política externa?

O tarifaço anunciado por Donald Trump mobilizou o Brasil. O temor de sanções econômicas levou muitos brasileiros a acompanhar de perto as negociações com os Estados Unidos. Mas o que explica tamanha atenção a um tema tão técnico, político e, em grande medida, distante do cotidiano do cidadão comum?

Em pesquisa recente que desenvolvi com a professora Nara Pavão (UFPE), a resposta é clara: a polarização política tem feito o eleitor expressar mais (e com mais intensidade) suas opiniões sobre política externa.

A política externa, tradicionalmente tratada como um tema distante do público, sempre esteve sujeita às disputas partidárias. Até 2014, PT (Partido dos Trabalhadores) e PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira) defendiam projetos internacionais opostos (Mesquita, 2012) e sinalizavam essas diferenças a seus eleitores mais atentos e informados.

A partir de 2018, porém, com a mudança na natureza da polarização política no país, que passou a ser afetiva (Nunes e Traumann, 2023 – os autores discutiram o livro nesta coluna), essas mensagens passaram a ser percebidas por um público mais amplo.

A polarização afetiva significa que os indivíduos tendem a gostar cada vez mais do grupo político do qual pertencem e a desgostar mais do grupo oposto (Iyengar; Lelkes et al., 2019). Petistas/lulistas tendem a gostar mais do seu grupo e a rejeitar mais os bolsonaristas, e vice-versa. A identificação crescente com grupos partidários fez com que mais cidadãos utilizassem os sinais desses grupos para formar suas preferências internas quanto  às posições do Brasil no cenário internacional. Assim, a política externa deixou de ser exclusividade de especialistas e ganhou espaço no debate público.

A ideia central é que, ao ativar identidades de pertencimento e rejeição aos grupos,  a polarização afetiva estimula o engajamento político e orienta a forma como as pessoas interpretam a atuação do Brasil internacionalmente. Principalmente quando já estão emocionalmente alinhados a elas, os mais polarizados tendem a internalizar essas mensagens com maior intensidade. Assim, a polarização entre grupos políticos leva os indivíduos a expressarem mais opiniões sobre política externa e a adotarem posições mais firmes e menos ambíguas nesse campo.

Eleitores mais polarizados opinam mais — e com mais intensidade

Para testar nossas hipóteses, utilizamos duas estratégias empíricas quantitativas, que combinam análises observacionais de bancos de dados secundários de pesquisas de opinião e um experimento original pré-registrado implementado com 2 mil respondentes brasileiros.

Criamos dois índices utilizando dados de questionário da Pew Research Center. O índice de Expressão de Opinião que equivale à soma das respostas válidas do indivíduo no questionário, dividida pelo número de perguntas. E o índice Intensidade de Opinião, que segue a mesma lógica, mas para respostas intensas.

Para identificar o nível de polarização afetiva dos brasileiros, utilizamos suas respostas quanto à avaliação que fazem sobre Lula e Bolsonaro em uma escala de 1 a 4, que varia de “muito favorável” a “muito desfavorável”. Com essas duas notas, calculamos a chamada diferença de afeto: quanto mais alguém gosta de um líder e, ao mesmo tempo, rejeita o outro, maior é essa distância e, portanto, mais polarizado afetivamente é o indivíduo.

Testamos a associação entre os Índices de Expressão e Intensidade e o nível de polarização afetiva dos indivíduos, utilizando dois modelos de regressão linear (OLS) com algumas variáveis de controle.

Gráfico 1: Resultado modelo OLS

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Pew Research Center (2023)

Os resultados mostram que, quanto maior a polarização afetiva, ou seja, a distância entre o quanto o eleitor gosta de um líder e rejeita o outro, mais fortes e frequentes são suas opiniões sobre política externa. A polarização, portanto, também impulsiona o debate sobre temas internacionais.

O estudo aponta ainda que homens e pessoas com maior escolaridade falam mais sobre política externa, enquanto os mais velhos e mais escolarizados tendem a emitir opiniões mais intensas. Ao mesmo tempo, contrariando as expectativas dos estudos internacionais, os níveis de patriotismo, nacionalismo e partidarismo não têm efeito relevante sobre essas atitudes.

Evidências experimentais

Mas é possível que a polarização seja a causa da expressão (e da intensidade) das opiniões das pessoas?

Para responder a essa pergunta, conduzimos um experimento randomizado pré-registrado, aprovado por Comitê de Ética, com uma amostra nacional representativa, recrutada pela Netquest. Após consentirem, os participantes responderam a um questionário online e foram distribuídos aleatoriamente em dois grupos de tratamento.

Cada grupo participou de um “jogo de confiança” que gerava uma experiência positiva ou negativa com um eleitor do partido rival, uma técnica usada para ativar a polarização afetiva, inspirada em estudos consolidados da Ciência Política e da Economia.

O jogo pedia aos participantes que transferissem recursos fictícios para outro jogador com base em poucas informações: gênero, idade, classe social e identidade política.

No grupo da experiência positiva, os participantes terminaram o jogo com saldo positivo; no grupo da experiência negativa, o saldo final foi zerado. Ao final, todos foram informados de que o resultado obtido se devia exclusivamente à identidade política do outro jogador. Quem passou pela experiência negativa, portanto, teve sua polarização ativada.

Depois disso, os participantes responderam às perguntas finais, que mediam suas atitudes em política externa em diversos temas relacionados.

O experimento mostrou que o tratamento ativou a polarização afetiva ao reduzir o afeto pelo grupo rival, especialmente entre aqueles com a identificação política mais forte: os lulistas/petistas e os bolsonaristas. Esse efeito, porém, não mudou de imediato o comportamento dos participantes, mas ampliou o distanciamento afetivo em relação ao grupo oposto, aumentando, ainda que de forma modesta, a disposição das pessoas de opinar e de defender posições mais intensas sobre política externa.

Isso mostra que a polarização afetiva funciona como um mecanismo discreto, porém decisivo, na formação das opiniões políticas das pessoas.

Quais temas de política externa a polarização afetiva impacta mais?

O tarifaço de Donald Trump acendeu um alerta no Brasil, fazendo os brasileiros ficarem mais atentos ao que acontece no plano internacional, e também serviu de ponto de partida para investigar um dilema central da política internacional: afinal, a polarização enfraquece ou reforça a união nacional diante de ameaças externas?

Os estudos anteriores indicam que, na política doméstica, a polarização tende a dificultar consensos. Já na política externa, podem gerar dois movimentos distintos: de um lado, a tendência à união nacional diante de ameaças externas; de outro, a ideia de que disputas internas deveriam permanecer restritas ao âmbito doméstico, sem interferir na atuação internacional do país.

Nosso experimento buscou também testar se indivíduos mais polarizados estariam menos dispostos a apoiar a união nacional frente a uma ameaça internacional, como a imposta pelo tarifaço de Trump.

Quando destrinchamos os índices por temas de política externa, o único efeito do experimento apareceu na afirmação de que, “em tempos difíceis, é importante apoiar o governo, seja de esquerda ou direita, para enfrentar ameaças estrangeiras”, como podemos observar no gráfico.

Gráfico 2: Efeitos do tratamento sobre atitudes de política externa

Fonte: Elaboração própria a partir de dados originais

Ou seja, o indivíduo do tratamento negativo, que teve a polarização afetiva ativada, mostrou-se mais inclinado a apoiar a ideia de união nacional diante de ameaças externas do que os participantes do tratamento positivo.

Isso sugere que a experiência negativa com o grupo rival não altera de forma significativa as opiniões em política externa, mas aumenta a disposição a apoiar o governo em cenários de ameaça externa.

Esses achados mostram que a polarização afetiva não funciona da mesma forma para todos os casos: seu impacto varia conforme o tema político em jogo.

O que isso nos diz sobre a polarização no Brasil?

Depois do tratamento, os participantes mostraram menor capacidade de identificar corretamente as posições de Lula e de Bolsonaro em temas de política externa. O efeito foi especialmente forte entre bolsonaristas, que passaram a errar com mais frequência a posição de Lula sobre o Brics.

O achado sugere que, quando a polarização afetiva é ativada, a atenção aos sinais enviados pelas lideranças políticas diminui, contrariando as evidências dos estudos anteriores.

Os resultados mostram que, ao contrário do esperado, a ativação da polarização afetiva reduziu a disposição dos participantes em opinar sobre o tarifaço anunciado pelos Estados Unidos.

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Quem passou pelo tratamento negativo teve menor probabilidade de se posicionar tanto sobre as tarifas quanto sobre seus efeitos econômicos. Em vez de ampliar o engajamento, a polarização parece ter gerado cautela: alguns evitaram expressar posições, especialmente em um tema delicado e politicamente ambíguo, no qual tanto Lula quanto Bolsonaro são vistos como potenciais responsáveis.

O efeito não se estende a toda a agenda de política externa, mas é marcante no caso do tarifaço, indicando que a polarização pode produzir não apenas mais voz, como se costuma supor, mas também silêncio estratégico quando o assunto envolve riscos e incertezas políticas.


IYENGAR, Shanto; LELKES, Yphtach; LEVENDUSKY, Matthew; MALHOTRA, Neil; WESTWOOD, Sean J. The origins and consequences of affective polarization in the United States. Annual review of political science, Annual Reviews, v. 22, p. 129–146, 2019.

MESQUITA, Lucas Ribeiro. Hipóteses para a mudança comportamental dos partidos políticos em relação a PEB. Carta Internacional, v. 7, n. 2, p. 117–126, 2012.

NUNES, Felipe; TRAUMANN, Thomas. Biografia do Abismo: como a polarização divide famílias, desafia empresas e compromete o futuro do Brasil. Rio de Janeiro: HarperCollins, 2023.

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