Representantes do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva se mostraram preocupados com o avanço da pejotização irrestrita no Brasil durante audiência pública promovida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nesta segunda-feira (6/10). O governo defende que a prática não atinja trabalhadores hipossuficientes nem desmonte as políticas de proteção trabalhista e previdenciária. Na visão do advogado-geral da União, Jorge Messias, a pejotização se tornou “a cupinização dos direitos trabalhistas brasileiros” ao destruir as estruturas que sustentam a proteção social.
Conheça o JOTA PRO Trabalhista, solução corporativa que antecipa as movimentações trabalhistas no Judiciário, Legislativo e Executivo
Segundo dados apresentados por Messias, estimativas apontam que, entre 2022 e 2024, a pejotização provocou um déficit superior a R$ 60 bilhões na Previdência Social e perdas de R$ 24 bilhões ao FGTS. “São valores bilionários que deixam de irrigar políticas públicas da aposentadoria à saúde, da habitação ao saneamento. É o pacto social de 1988 que se esvai – gota a gota – em nome de uma falsa modernidade”, disse o AGU.
Na avaliação de Messias, o governo não quer fazer uma “condenação genérica” do instituto da pejotização. Mas entende que ela não pode esvaziar os direitos trabalhistas de hipossuficientes – os dados oficiais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), 55% das relações de pejotização atuais envolvem pessoas que ganham até R$ 6 mil.
Ainda segundo dados apresentados pelo AGU, hoje, a pejotização atinge de forma intensa ocupações de baixa remuneração, abaixo de R$ 2 mil reais. Dados apurados pela FGV/EAESP, a partir da PNAD Contínua do IBGE, apontam que 56,3% dos trabalhadores demitidos que se pejotizaram entre 2022 e 2024 estão na faixa salarial de até R$ 2 mil mensais, enquanto outros 36,9% recebem até R$ 6 mil.
“O que parece, à primeira vista, um arranjo moderno de contratação é, na prática, um processo que fragiliza o sistema de proteção social e empurra o trabalhador vulnerável para a informalidade disfarçada de formalidade, sem que, sequer, esteja presente a suposição de que detém condições para a liberdade de estipulação das cláusulas do contrato de trabalho”, argumentou o AGU.
Na avaliação de Messias, não há “neutralidade econômica”. “Há uma estratégia deliberada de desresponsabilização patronal, de fuga do dever de financiar o sistema e de se livrar do custo de conformidade com as leis trabalhistas e previdenciárias. O preço desse desequilíbrio recai, como sempre, sobre os ombros dos mais frágeis”.
Messias explicou que existem práticas que se alinham ao conceito original e legítimo de contratação por pessoas jurídica. É o caso, por exemplo, da relação de franquia, em que há transferência de know-how, uso de marca e autonomia empresarial real; a constituição de sociedades de propósito específico (SPEs) voltadas à execução de empreendimentos conjuntos, com partilha efetiva de riscos e resultados, consultoria independente, entre outros.
Previdência
Na mesma linha, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, disse que o mercado de trabalho passa por um processo “devastador de desvalorização”, com fraudes em contratações que precarizam as condições do empregado e causam perda de arrecadação à União. Conforme o ministro, se há subordinação e características de relação de trabalho, a regulação deve ser feita pela Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), independentemente da remuneração do empregado.
“O contrato PJ [pessoa jurídica] existe desde que o mundo é mundo, e isso não está em discussão”, afirmou. “O que está em discussão é a fraude trabalhista travestida de pejotização.”
A fala foi feita na abertura da audiência pública sob o comando do ministro Gilmar Mendes no STF para discutir a legalidade da contratação de trabalhadores como pessoas jurídicas ou autônomos — prática conhecida como pejotização.
Marinho afirmou que estruturas como o Sistema S, o Fundo de Garantia e a Previdência “estarão em risco” se houver um “liberou geral” da pejotização e do Microempreendedor Individual (MEI). Segundo ele, de 2022 a 2025, Previdência, Fundo de Garantia e Sistema S deixaram de arrecadar mais de R$ 106 bilhões.
Audiência
Relator do recurso sobre o tema em julgamento no STF, o ministro Gilmar Mendes afirmou, no início da audiência pública, que os três pontos centrais que vão nortear as discussões da audiência são:
- A competência da Justiça do Trabalho para julgar as causas em que se discute a existência de fraude no contrato civil ou comercial de prestação de serviços;
- A validade da contratação civil ou comercial de trabalhador autônomo ou de pessoa jurídica para a prestação de serviços;
- O ônus da prova relacionado à alegação de fraude na contratação civil, avaliando se essa responsabilidade recai sobre o autor da reclamação trabalhista ou sobre a empresa contratante.
Assine gratuitamente a newsletter Últimas Notícias do JOTA e receba as principais notícias jurídicas e políticas do dia no seu email
O tema da pejotização tem grande impacto social e econômico: atualmente, mais de 15 milhões de brasileiros atuam como microempreendedores individuais (MEIs), e cerca de 34,6 mil processos estão suspensos na Justiça do Trabalho aguardando uma definição, segundo dados do Painel de Gestão de Precedentes do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Ao todo, foram selecionados 48 expositores para participar da audiência, entre os 508 inscritos e especialistas convidados. O ministro Gilmar Mendes levou em consideração os requisitos legais de experiência e autoridade no tema, a relevância das contribuições e a limitação de tempo da audiência.