O presidente Lula pediu à sua equipe ministerial estudos para a implementação de uma política nacional de transporte público gratuito. O debate sobre a gratuidade é uma pauta histórica no Brasil. De 2015 para cá, o número de cidades com sistema de transporte público gratuito cresceu mais de 300%, posicionando o país como o que mais possui municípios com gratuidade no mundo. Fruto das lutas dos movimentos sociais, esse avanço marca a conquista do transporte como um direito básico, ainda não plenamente concretizado.
Agora, o país tem a oportunidade de nacionalizar a pauta e revolucionar a mobilidade urbana e o combate às desigualdades urbanas. Essa transformação, se já não fosse suficientemente impactante, pode ainda ser acompanhada de um aumento significativo da renda dos trabalhadores, especialmente os mais pobres.
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O ponto central na discussão da tarifa zero é o financiamento. Falar em transporte público gratuito significa, em última instância, afirmar que o passageiro não deve mais pagar a tarifa, mas sim que a sociedade e o Estado devem colaborar com esse custo. De acordo com levantamento da Jevy Cidades, com base em dados do IBGE, quase 70% das cidades brasileiras não possuem sistema de transporte público municipal.
Além disso, mais de 90% das cidades que contam com transporte público não destinam recursos públicos para o setor, segundo a Associação Nacional das Empresas de Transporte Público (NTU), de 2024. Por isso, um eventual financiamento federal de uma política nacional de gratuidade representaria uma mudança de paradigma sem precedentes no sistema de transporte brasileiro.
Para que essa transformação ocorra, é necessário pensar em um modelo de financiamento sustentável e robusto. O exemplo mais avançado hoje no Brasil e no mundo foi debatido em Belo Horizonte. O projeto apresentado com assinaturas de 22 dos 41 vereadores previa a criação de uma contribuição mensal das grandes empresas da cidade por trabalhador registrado.
Essa contribuição substituiria o vale-transporte, isentaria mais de 80% das empresas do pagamento do benefício e aumentaria a renda dos trabalhadores, já que deixaria de incorrer no desconto de 6% previsto na lei do vale-transporte. A proposta, no entanto, foi rejeitada pelos vereadores.
O modelo de BH se inspirava no sistema existente há décadas na França e se aproxima também do modelo de Belgrado, na Sérvia, hoje a maior cidade do mundo com gratuidade no transporte. Isso coloca essas formas de financiamento na vanguarda do debate, no Brasil e no exterior. Além de viabilizar a gratuidade, a proposta – se implementada nacionalmente – pode gerar ganho direto aos trabalhadores, superior a R$ 2.000 por ano, ao eliminar o desconto de 6% aplicado atualmente sobre seus salários para o financiamento do vale-transporte.
Cabe lembrar que o governo federal tem autoridade constitucional para revisar a Lei n.418/1985, que instituiu o vale-transporte. Seguindo a lógica discutida em Belo Horizonte, um modelo que estabeleça contribuição das empresas com mais de dez funcionários, sem desconto para os empregados, permitiria que trabalhadores — especialmente os de menor renda — deixassem de arcar com os 6% de seus salários.
Para quem ganha dois salários mínimos, por exemplo, a economia anual seria superior a R$ 2.000. Assim, em um único movimento, o governo Lula poderia financiar o transporte público gratuito em todo o país e, ao mesmo tempo, ampliar a renda dos trabalhadores.
De acordo com estudo realizado pela Fundação Rosa Luxemburgo em 2021, uma contribuição mensal das empresas com mais de nove funcionários, no valor de aproximadamente R$ 230 por empregado — valor inferior ao que já é pago pelas empresas em muitas cidades —, poderia gerar mais de R$ 43 bilhões por ano.
Esse montante cobriria quase a totalidade do custo da tarifa zero em escala nacional. Se acompanhado de cofinanciamento, nos moldes do SUS, em que estados e municípios também participam do custeio, a proposta poderia viabilizar plenamente a gratuidade em todo o sistema de transporte público do país.
É importante destacar que, além das tarifas excludentes, o transporte coletivo brasileiro sofre com problemas crônicos de qualidade e acesso. A maioria das cidades não possui sistema de transporte público e, nas que possuem, em geral os serviços são precários, com frotas antigas e insuficientes para atender às necessidades da população.
Por isso, o financiamento da tarifa zero deve vir acompanhado de critérios de qualidade, como idade da frota, quantidade adequada de veículos, climatização, tempo de espera reduzido e outros requisitos que tornem o transporte mais atrativo.
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O Brasil tem, hoje, a oportunidade de revolucionar sua política de transporte público coletivo, com um modelo de financiamento robusto e pautado pela justiça tributária, cobrando mais de quem pode contribuir mais. Além disso, a proposta pode se converter em ferramenta de valorização da renda dos trabalhadores de menor renda.
Ainda, essa política pode ser a chave para melhorar a qualidade do transporte e expandir sua presença para cidades que ainda não o possuem, podendo ser peça central para o desenvolvimento econômico das cidades brasileiras. Como poucas vezes na história, o governo Lula tem a chance de fazer história combatendo as desigualdades e valorizando os trabalhadores ao mesmo tempo.